O novo episódio envolvendo a família Bolsonaro diz muito sobre em qual lado da balança eles estão. Bolsonaro e seus filhos foram eleitos levantando a bandeira da nova política e do combate a corrupção. Entretanto, ao longo dos dois primeiros anos do mandato o castelo de areia construído para blindar o “mito” foi desabando com notícias de envolvimento com milícias, crimes de peculato (“rachadinhas”), compras de boas relações no caso do filho Renan, etc.
O objetivo aqui não é apontar a farsa entorno da figura do Presidente, mas pontuar eventuais crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa praticados pelos envolvidos nos fatos trazidos pela imprensa.
Conforme destacado amiúde pela Revista Época, a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Podemos-RJ), o próprio parlamentar, o ministro-chefe do GSI, o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e Jair Bolsonaro se reuniram para definir estratégias de defesa em relação ao suposto crime de peculato (“rachadinha”) e lavagem praticado pelo filho do presidente, quando era deputado estadual no Rio de Janeiro, e sua trupe.
Segundo a revista, coube a Abin, órgão do estado, vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que tem por função precípuo investigar ameaças reais e potenciais, bem como identificar oportunidades de interesse da sociedade e do Estado brasileiro, e defender o estado democrático de direito e a soberania nacional, elaborar um relatório sobre os funcionários da Receita Federal que teriam feito um levantamento a respeito dos dados fiscais do senador Flávio. Aqui cabe o primeiro questionamento: é função institucional da Abin atuar em assuntos de interesse pessoal de um parlamentar?
Por óbvio que, comprovados os fatos narrados pela revista, houve um flagrante desvio de finalidade na atuação da Abin, fato que poderá ensejar ação de improbidade para o diretor-geral da agência - delegado Alexandre Ramagem, ao general Heleno – ministro do Gabinete de Segurança Institucional, ao senador Flávio Bolsonaro e ao Presidente da República, na medida em que infringiram os artigos 9º e 10 da Lei 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).
Este fato demonstra que o presidente trata a “coisa pública” como se fosse “coisa dele”, os órgãos do estado, vinculados aos ministérios ou a própria Presidência são partes integrantes da União e não devem atuar para atender os interesses pessoas do Chefe do Executivo. A situação narrada pela Revista Época é semelhante, por exemplo, a um prefeito de uma cidade pequena do interior do Brasil usar funcionários do setor de obras da prefeitura para pintar a sua casa. São situações de inequívoco desvio de finalidade em proveito próprio, que devem ser coibidos fortemente pelos órgãos de controle (Tribunais de Contas, Casas Legislativas – Câmara Municipais, Assembleias legislativas do Estado e o Congresso, e o Ministério Público).
A questão Flávio-Abin é muito séria e deve ser tratada com muito atenção pelo Congresso Nacional, pelo Procurador Geral da República e pelo Tribunal de Contas da União, uma vez que foi utilizado o serviço de inteligência da Presidência para beneficiar o filho do Chefe do Executivo. Com um simples passar de olhos sobre os fatos verifica-se a ocorrência, em tese, de uma penca de crimes, que vão do crime de responsabilidade ao tráfico de influência, passando pelo abuso de autoridade.
Para demonstrar a seriedade e a gravidade dos fatos, cumpre destacar que a Abin, segundo a Revista Época, orientou a defesa do senador a buscar a exoneração dos servidores da Receita Federal que vasculharam os dados fiscais de Flávio, bem como para buscarem acesso aos dados da “apuração especial” realizada junto ao SERPRO (Serviço Federal de Processamento de Dados é a maior empresa pública (estatal) de prestação de serviços de Tecnologia da Informação do Brasil), para garantir registros de acesso a dados fiscais na Receita, dando legalidade as informações obtidas ilicitamente pela Abin.
Outra orientação passa por Ramagem, diretor-geral da Abin, segundo a revista, foi no sentido de que a advogada de Flávio conseguisse uma audiência para “tomar um cafezinho” com o chefe da Receita Federal do Brasil (RFB), José Tostes Neto, exigindo deste informações.
Pela gravidade da denúncia da Revista Época, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), intimou o ministro-chefe do GSI, general Augusto Heleno, e do diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem para prestar esclarecimento no prazo de 24 horas.
Alexandre Ramagem afirmou à ministra que o órgão não produziu relatórios para orientar a defesa do senador Flávio Bolsonaro no caso da “rachadinha”. Porém, admitiu que houve uma reunião com a defesa do parlamentar, mas disse que o encontro não gerou nenhum ato formal subsequente do governo que justifique a ação judicial.
General Heleno também apresentou esclarecimentos no mesmo sentido de Ramagem e destacou que “a reunião com a defesa de Flávio não é ilegal, pois compete ao GSI e à Abin zelar pela segurança do presidente e de seus familiares”. Ramagem afirmou que: “A reunião realizada é completamente regular, por estar dentro das competências atribuídas legalmente ao GSI, órgão do qual a Abin faz parte. Como não foi constatada violação de segurança institucional, não houve nenhuma providência decorrente do encontro”.
Diante da controversa instalada caberá uma investigação série e despida de parcialidade pelo Procurador Geral da República, uma vez que há indícios fortes de utilização do órgão de inteligência do governo em favor de Flávio Bolsonaro, fato que não pode ser desconsiderado por Augusto Aras. Será que voltamos ao tempo de Sucupira e o presidente incorporou Odorico Paraguaçu?
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