Mesmo com constantes avanços científicos, tecnológicos e sociais que transformaram radicalmente o mundo, ainda nos deparamos com um fator que permanece inaceitavelmente constante: as pautas femininas ainda lutam, com esforço desproporcional, para serem validadas — especialmente no campo político.
A dificuldade dessa validação do discurso feminino não é apenas uma questão de presença, mas de escuta. Mulheres têm ocupado e com coragem, espaços nas câmaras, assembleias e palanques, mas ainda são frequentemente interrompidas, desacreditadas ou tratadas como meras coadjuvantes em um teatro político majoritariamente masculino. Suas falas são postas em dúvida, suas experiências minimizadas, e seus projetos frequentemente deslegitimados com base em estereótipos de gênero que, embora velados, seguem ativos.
A política — que deveria ser o palco do pluralismo democrático — ainda carrega uma estrutura simbólica e institucional marcada pelo patriarcado. Quando uma mulher ousa denunciar abusos, propor mudanças estruturais ou reivindicar direitos específicos às vivências femininas, muitas vezes enfrenta reações que vão desde o desprezo sutil até a violência verbal e institucional. Ainda hoje, é mais comum ver a mulher ser rotulada como “emocional”, “radical” ou “vitimista” do que como uma agente política legítima.
Essa resistência tem raízes históricas. Durante séculos, o espaço público foi restrito aos homens, enquanto as mulheres eram relegadas ao doméstico, ao privado, ao silêncio. A herança dessa exclusão segue moldando a forma como a sociedade — inclusive outras mulheres — reage quando uma voz feminina se ergue, com firmeza, para propor rupturas, reformas ou apenas reconhecimento.
Mas há um detalhe que não pode ser ignorado: apesar das barreiras, as mulheres continuam falando. E cada vez mais. O que falta, portanto, não é coragem feminina — essa já foi provada em demasia. O que falta é escuta honesta, escuta política, escuta institucional.
Validar o discurso feminino é reconhecer que as mulheres são sujeitos políticos plenos, com vivências, diagnósticos e soluções que precisam ser ouvidas e debatidas em pé de igualdade. Isso não é uma concessão: é uma necessidade democrática.
Enquanto o discurso feminino for tratado como secundário ou apenas um “nicho apartado”, o sistema político seguirá incompleto. Porque nenhuma democracia se sustenta sobre o silenciamento de mais da metade da população.
Dra. Débora Garcia Duarte
Advogada. Mestre em Direito (UENP - Jacarezinho). Professora universitária e coordenadora da FIT (Faculdades Integradas de Taguaí). Autora da obra Reveng Porn: a perpetuação da violência contra a mulher na internet e o poder punitivo. Pesquisadora na área de direitos das mulheres e doutoranda pela FCA - UNESP Botucatu.