Todos foram surpreendidos na tarde de terça-feira (4) com vídeos disseminados em redes sociais e nos telejornais com uma enorme explosão em uma região portuária do Líbano. A cenas impressionantes do poder de destruição e alcance da explosão que pegaram de surpresa moradores que filmavam o incêndio a distância, deixaram a todos perplexos! Mas logo após baixar a adrenalina das fortes cenas da explosão, muitas perguntas surgiram: que lugar é esse? O que aconteceu? Que explosão foi essa?
O lugar é a região portuária da cidade Beirute capital do Líbano. O fator localização para esse desastre torna-o carregado de incertezas e desconfiança, isso porque encontra-se em umas das regiões geopoliticamente mais instáveis do mundo, o Oriente Médio. Quando falamos em Oriente Médio comumente vem a mente das pessoas problemas com terrorismo, ditaduras, guerra por petróleo ou o prolongado conflito árabe-israelense. Mas e o Líbano, enquadra-se nesse cenário?
Sim, apesar do Líbano ostentar até um passado muito recente os melhores índices de desenvolvimento humano da região e ser um dos poucos países daquela área que gozam viver em um regime democrático, ele ainda sofre de muitos dos problemas recorrentes de países do Oriente Médio.
Entender o contexto histórico-geográfico do Oriente Médio é uma tarefa demasiadamente complexa até mesmo para os especialistas das ciências humanas, pois a região que é um dos berços do mundo civilizado (nos vales dos Rios Tigres e Eufrates) é muita antiga e possui inúmeras ramificações étnicas e sociais.
Mas para sintetizarmos ao máximo o contexto de lá, vale lembrar que ela é o berço das três maiores religiões monoteístas do mundo (judaísmo, cristianismo e islamismo), seu clima desértico fez com que as populações se dispersassem no entorno do deserto (inviabilizando a construção de uma única nação), é detentora da maior jazida de petróleo do mundo (apesar de ser um bem material muito valioso, o petróleo dissemina pobreza em sua região por não possibilitar distribuição de renda, gerando pouquíssimos postos de trabalho).
Fator de grande instabilidade política na naquela área é a questão territorial. Após a primeira guerra mundial, os europeus, principalmente os franceses e britânicos, criaram as fronteiras mais artificiais do mundo, os europeus utilizaram a tática do “dividir para dominar”, ou seja, ganhar o controle de um território fragmentando suas populações em diferentes fronteiras arbitrariamente definida (uma excelente receita de instabilidade e injustiça que ficou conhecida como acordo Sykes-Picot). Esta tática fez com que atualmente diferentes povos (com diferenças religiosas, culturais e linguísticas) tenham que viver no mesmo país, provocando uma verdadeira odisseia para retraçar as fronteiras criados pelos europeus com sangue.
O Líbano encontra-se nesse cenário geopolítico caótico! Inicialmente o território pertencente ao Líbano havia sido entregue pela França como forma de agradecimento aos cristãos que tinham lhe ajudado na colonização daquele território, criando “Estados-Nação” arbitrariamente a partir de pessoas não habituadas a viver juntas. Não muito tempo depois os muçulmanos tornaram-se maioria na região e criaram a milícia Hezbollah. Quando olhamos o Líbano no mapa, parece ser um país único, mas na verdade trata-se de um Estado extremamente fragmentado, com múltiplos credos, religiões e tribos que quase desintegraram-se na Guerra civil de (1975-1990).
Enfim, uma breve resposta para pergunta inicial “que lugar é esse?” seria: um país que vive sobre constante perigo de conflito sectário, de ameaças de ataques de países vizinhos e que sofre ainda de traumas de uma recente e sangrenta guerra civil. Por isso, mesmo com o governo libanês apresentando inicialmente um problema elétrico no galpão como razão do incêndio que veio a culminar na explosão, a desconfiança de ataque ainda paira no ar.
Como respostas à segunda pergunta “o que aconteceu?” foi o fato de a população libanesa presenciar uma explosão equivalente a 10% do impacto da bomba nuclear de Hidroshima, resultado da explosão se 2750 toneladas de nitrato de amônia, um composto que pode ser usado como fertilizante ou na fabricação de explosivos. Acreditem ou não, mas essa imensa quantidade desse perigoso composto ficou 6 anos armazenado em condições inadequadas. Se esse material não for devidamente armazenado, como, como ocorreu no caso de Beirute, pode ocasionar explosões.
Mas como esse perigoso material ficou tanto tempo sem os cuidados necessários, mesmo depois de o diretor da alfândega Badri Daher e o gerente do posto Hassan Korayten terem alertado repetidamente sobre os perigos de um mau armazenamento? Essa é a principal questão a ser esclarecida... O que se sabe até o momento é que o equivalente a uma explosão de 1,1 toneladas de TNT tirou a vida de mais de 150 pessoas e deixou mais de 5000 feridos.
Mas de onde veio a energia inicial para tal explosão ocorrer e assombrar o mundo com um “monstruoso cogumelo gigante”? Ainda não se sabe ao certo, mas há indícios que um incêndio nas proximidades teria iniciado tal explosão, que levou a liberação de inúmeros gases e vapor d’água, formando a monstruosa nuvem, e uma enorme quantidade de calor, que expandiu os gases formados, provocando uma onda de ar que destruiu casas, prédios, janelas em um raio de 5km, podendo ser ouvida a 240 quilômetros de distância... Mas a desconfiança de ter sido um ataque terrorista o grande responsável por este cenário apocalíptico (como descrito por muitos libaneses) assombra muitos libaneses.
Seja motivado por ataques terroristas sectaristas, seja por problemas elétricos e de gestão/negligência de segurança, o que vemos no Líbano é um desastre de natureza estritamente humana. Fico a pensar, será que os moradores de Beirute sabiam dessa “bomba” armazenada próxima as suas casas para poder cobrar das autoridades responsáveis uma resolução logística para esse armazenamento ou mesmo mudar-se da localidade? Será que grupos extremistas sabiam do armazenamento deste explosivo localizada em uma área portuária densamente habitada e prospera? Essas são perguntas que talvez com o tempo compreendamos suas respostas.
Espera-se que as autoridades brasileiras analisem com cuidado os erros cometidos pelos libaneses no armazenamento de produtos químicos que apresentem perigo, para não somarmos este tipo diferente de tragédia ao nosso extenso histórico de desastres naturais e socias causados por falha humana, como nos inúmeros rompimento de barragens, o “acidente” radioativo do Césio-137 em Goiânia (1987) entre outros fracassos de gestão de risco do nosso pais.
Autores: Emerson Carlos de Almeida e Rogério Gomes dos Santos