Em 12 de novembro de 2019 foi promulgada pelo Congresso Nacional a Reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103), oriunda de proposta de emenda a Constituição Federal 6/19. Com a sua promulgação diversos direitos dos trabalhadores e segurados dos regimes próprios e do regime geral de previdência, o INSS, foram alterados. Desde as regras de aquisição dos benefícios, como a exclusão da possibilidade de aposentar-se por tempo de contribuição na regra permanente, aumento de idades mínimas, até a regulamentação de novas alíquotas de contribuição.
A Previdência Social brasileira precisava ser reformada, foram duas décadas sem alterações, e a sociedade mudou drasticamente nestes 20 anos. Então, deixo claro: a crítica não é sobre reformar, e sim sobre como foi reformada.
Após 20 anos sem uma profunda reforma previdenciária o Brasil se viu obrigado a modificar a sua legislação previdenciária, para que esta se adequasse a uma nova realidade nacional: uma população maior não apenas no número de cidadãos, mas também vivendo mais. A população idoso teve um aumento significativo nas últimas décadas, onde o número de benefícios pagos pela previdência pública saltou também significativamente.
Estudo de 2017 mostrou que a população brasileira manteve a tendência de envelhecimento dos últimos anos e ganhou 4,8 milhões de idosos desde 2012, superando a marca dos 30,2 milhões em 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Características dos Moradores e Domicílios, divulgada hoje pelo IBGE. Um aumento de 18% em apenas 5 anos.
Portanto, para se manter estável foi necessária a atual reforma, mas seus termos e condições foram desproporcionais, causando um grave retrocesso social previdenciário. As normas suprimiram conquistas adquiridas ao longo de décadas, e em muitos casos foram draconianas com os segurados.
O primeiro efeito nocivo foram nas pensões por morte concedidas, com óbitos pós 13 de novembro de 2019. Antes desta data as pensões por morte eram concedidas em 100% aos dependentes, ou seja, o seguro social pago mensalmente no caso de falecimento do mantenedor do lar garantia aos seus dependentes um benefício integral. Agora não, pois este benefício não terá o redutor dos 20% menores salários de contribuição após a data de julho de 1994, e será de 60% (mais 2% a cada ano contribuído à partir de 15 anos para mulheres e 20 anos para homens). Acha que as reduções acabam ai? Infelizmente não. Após estes dois redutores se aplica a alíquota de 50% e um acréscimo de 10% para cada dependente.
Isso já é uma afronta, pois cito como exemplo o senhor José, que faleceu em 2020 e deixou a esposa e um filho. Se o a média das contribuições do José era de R$ 4.000,00 (descontando os 20% menores), se aplicarmos os redutores de não excluirmos os 20% menores, o coeficiente do salário de benefício para RMI de 60% e posteriormente o redutor de 70% (esposa mais um filho), o benefício inicial dos beneficiários da pensão será em torno de R$ 1.500,00.
E isso não termina por aqui, se o(a) pensionista recebe algum outro benefício do INSS, estes R$ 1.500,00 podem se tornar apenas R$ 1.340,00. De forma bem exemplificativa fica demonstrado como o novo cálculo prejudica o(s) dependente(s), fazendo o benefício anterior a reforma cair para 1/3. A família deverá sobreviver com apenas um terço da renda mensal prevista.
Acredito que este tema irá subir ao Supremo Tribunal Federal, pois se mostra latente a inconstitucionalidade do texto legal, pela evidente afronta ao princípio da vedação ao retrocesso social. E sobre inconstitucionalidade, vale aqui destacar mais um ponto prejudicial da EC 103: o cálculo da aposentadoria por invalidez.
A aposentadoria por invalidez, hoje chamada de aposentadoria por incapacidade permanente, é o benefício pago ao segurado que se torna incapaz de forma parcial e permanente ao trabalho. Portanto, uma incapacidade permanente lhe garante o pagamento. Agora, por outro lado, se a incapacidade for provisória o benefício será o auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária).
Aqui encontramos a incongruência e inconstitucionalidade da reforma: o cálculo do permanente é de 60% (mais 2% a cada ano contribuído à partir de 15 anos para mulheres e 20 anos para homens) na maioria dos casos, e 91% no provisório. Se você tem uma incapacidade temporária vai receber mais que a permanente, isso é teratológico e fere o princípio da isonomia.
Nestes dois casos acima já existem decisões judiciais que entendem como inconstitucional o cálculo destes dois benefícios se concedidos após a reforma da previdência. Esperamos que as mesmas sejam mantidas nos tribunais superiores, pois o retrocesso social deve ser combatido pelo judiciário.
Outros pontos da reforma nos chamaram muito a atenção, pois regras de transição (acertadamente foram criadas), mas para a regra permanente não haverá mais a possibilidade de aposentar-se por tempo de contribuição. Portanto, a aposentadoria por tempo de serviço morreu com a reforma da Previdência para os filiados após a sua vigência. Um importante direito social que foi suprimido. As aposentadorias passam a obrigatoriamente ter um número mínimo de anos trabalhados e também uma idade mínima, onde em conjunto irão garantir a aposentadoria dos novos segurados. E falando aqui em sempre necessitar de idade mínima, a aposentadoria especial (um grave erro legislativo) passa a necessitar de idade mínima para a sua obtenção. Isso vai trazer sérias consequências sociais ao longo das próximas décadas, com idosos sobrevivendo com a sua saúde abalada e fragilizada.
A aposentadoria especial, sem idade e sim um tempo mínimo de contribuição exigido, visava proteger o trabalhador exposto por décadas a um agente nocivo a sua saúde: frio, calor, ruído, agentes biológicos como os vírus, eletricidade... agora isso não existe mais. Este trabalhador precisará continuar exposto a insalubridade até atingir a idade mínima, causando ainda mais prejuízos em sua saúde. O estado possivelmente irá economizar, mas certamente irá gastar mais com hospitais, medicamentos e tratamento dos doentes.
Aqui vale fazer um parêntese: além de incluir a idade mínima na aposentadoria especial, a reforma da Previdência colocou um fim na possibilidade de conversão do trabalho especial em comum. Retrocesso atrás de retrocesso, pois o trabalhador paga um seguro social que garanta a ele que este lhe proteja ao trabalhar em atividade nociva a sua saúde, e o próprio empregador paga ao INSS sobre este risco da atividade.
Podemos aqui enumerar outros itens: aumento de alíquotas, queda no valor mensal de benefícios em razão das novas sistemáticas de cálculos, dentre outros. Porém, era necessário reformar, e estes foram preços necessários a serem pagos. Infelizmente. Mas os itens citados nos tópicos acima deveriam ter sido melhores estudados e debatidos, pois eles impedem a sobrevivência digna de centenas de milhares de cidadãos brasileiros. Direitos fundamentais não podem serem suprimidos por critérios financeiros.
Estes danos serão cada vez mais notados a cada próximo aniversário, onde em cada apagar de velas os cidadão brasileiros diariamente sofrerão ao necessitar de benefícios dos entes públicos previdenciários.
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