O Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), em decisão inédita publicada no início de fevereiro definiu que deverá ser considerado o gênero autodeclarado nos registros civis do servidor público para a realização do cálculo de aposentadoria do segurado trans.
A decisão se deu após provocação da Prefeitura de Itajaí que coordenou uma consulta sobre a aplicação das regras para concessão de aposentadoria nos casos em que o segurado realiza a mudança de gênero nos documentos oficiais.
O Instituto de Previdência de Itajaí teve a iniciativa em realizar a consulta a fim de ter amparo jurídico em decisões futuras quanto a concessão de benefícios previdenciários a população trans.
Importante frisar ainda que faz parte do quadro de funcionários públicos do município segurada transgênera, que recentemente promoveu a alteração dos documentos oficiais a fim de constar o gênero autodeclarado e que, futuramente, ao completar os requisitos para aposentar-se, poderá requerer o benefício sem encontrar óbices a sua concessão.
Trate-se de um importante avanço para a comunidade LGBTQIAP+. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 194, §1º prevê que a previdência deve ser estabelecida de forma universal, ou seja, deve tutelar a todos de forma igualitária, sem qualquer tipo de discriminação, assim devendo respeitar o gênero escolhido pelo segurado, bem como devendo ainda prevalecer os princípios fundamentais da igualdade e da isonomia.
Sendo assim, a decisão do TCE de Santa Catarina está de acordo com a nossa Carta Magna ao considerar a identidade de gênero que o segurado trans apresentar no momento em que fizer o requerimento de benefício previdenciário para realização dos cálculos, bem como está em consonância com os princípios fundamentais e basilares da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da isonomia.
Essa importante decisão do TCE refletirá em toda a comunidade LGBTQIAP+, visto que coloca fim as discussões anteriores quanto a concessão de aposentadoria a esses segurados com a utilização de um cálculo misto, o qual, por sua vez, considerava o tempo recolhido pelo segurado quando ainda tinha o antigo gênero e o tempo após realizar a alteração do gênero, o que causa conflito quanto à media que deveria ser utilizada para concessão do benefício.
No entanto, é necessário destacar que, o segurado transgênero deverá apresentar os documentos oficiais devidamente atualizados, ou seja, com o prenome e o gênero alterados conforme a manifestação da sua vontade, devendo ainda providenciar a retificação dos dados na base da Autarquia logo após a alteração dos documentos, a fim de assegurar todos os seus direitos previdenciários.
Segundo a Corte de Contas, a decisão publicada está em harmonia com o entendimento aplicado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), declarando ainda que “em atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana e da vedação à discriminação o funcionário responsável pela análise dos processos de aposentadoria deve dedicar tratamento diferenciado em casos de servidores que realizaram alteração de gênero.”
Informou o Tribunal ainda que “para o servidor que tenha realizado alteração de gênero/sexo, deverá ser considerado o gênero que está constante no registro civil de pessoa natural (certidão de nascimento) no momento do requerimento do benefício previdenciário. Se a alteração do registro do gênero ocorrer após o requerimento de aposentadoria, a concessão do benefício e a apreciação do ato, para fins de registro, deve observar a nova condição”, ou seja, mesmo que o segurado altere o gênero nos documentos oficiais somente após dar entrada no pedido de aposentadoria, a nova condição ainda assim deverá prevalecer.
E vale frisar que é possível que um segurado que não conseguiu solicitar a aposentadoria de acordo com a identidade de gênero autodeclarada recorra à Justiça. Não só existe a possibilidade de socorrer-se ao judiciário em caso de indeferimento da aposentadoria ao segurado trans, como é uma prática bastante comum atualmente, tendo em vista que a LBPS (Lei de Benefícios da Previdência Social) ainda não dispõe de normas específicas sobre as regras para a aposentadoria do segurado que optou pela mudança de gênero, o que acaba levando ao indeferimento administrativo do benefício na grande maioria das vezes.
No entanto, é notório que não se pode subtrair esse direito do segurado, independente da sua identidade de gênero, devendo a autarquia previdenciária adaptar-se conforme as mudanças e evolução da sociedade, bem como, a jurisprudência é vasta em reconhecer o direito do segurado trans em aposentar-se de acordo com o gênero que escolheu vivenciar.
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