O Juiz da 1ª Vara Civil de Avaré, Augusto Bruno Mandelli, suspendeu os efeitos do Decreto Municipal editado pelo prefeito Jô Silvestre, e autorizou o Posto Estrela e demais estabelecimentos a comercializar bebidas alcoólicas no município.
Desde terça-feira, dia 8, o decreto proibia a venda e o consumo de bebidas alcoólicas na cidade, bem como aplicava multas para quem descumprisse a norma.
No mandado de segurança, o estabelecimento alega que comercializa bebidas alcoólicas e que movimenta grande parte de seu faturamento, sendo que com a proibição da venda de bebidas alcoólicas, os seus estoques de bebida ficariam parados e gerariam prejuízos. Foi alegado ainda a inconstitucionalidade do decreto.
Em sua decisão, o magistrado destaca que “não é permitido às autoridades de quaisquer dos Poderes restringir o exercício desse direito por meio de discriminações aleatórias (como, no caso, a proibição de venda de bebidas) sob qualquer pretexto (incluindo o de se combater a pandemia)” e que “quase totalidade dos brasileiros trabalha por necessidade, para obter e levar sustento para casa, para pagar as contas, para manter a dignidade sem depender de esmola estatal. Logo, não compete ao Estado tolher essa liberdade que, em último grau, acaba por tornar letra morta a própria dignidade da pessoa humana”.
Ainda para o Juiz, “os representantes eleitos, é bom reforçar, devem cuidar da coisa pública (melhorar o sistema de saúde, garantir qualidade e oferta de educação, realizar limpeza urbana, expandir o transporte público, cuidar do saneamento básico etc.), jamais de aspectos da vida cuja decisão compete exclusivamente a cada indivíduo e nem para discriminar o que entendem por atividades ou produtos essenciais e não essenciais (e aqui cabe questionar: sob qual critério moral e ético se pode considerar a atividade política ou mesmo a jurisdicional mais essencial que a de um ambulante ou a de um pequeno comerciante?)”.
INACEITÁVEL
O magistrado foi além e disse que o decreto de Jô Silvestre “mostra-se ilegítima e inaceitável a tentativa, por parte de certos representantes do povo, de abolir (direta ou indiretamente) direitos fundamentais do Homem (no caso, por um arbitrário e aleatório decreto do Prefeito do Município de Avaré)”.
O Juiz ainda elogiou a ação impetrada pelo estabelecimento. “Portanto, está impetração é digna de elogios, pois, independentemente do resultado final da ação, deixa registrada a insatisfação da parte impetrante com o ato coator praticado pela autoridade impetrada, bem como possibilita a identificação das autoridades que, de alguma forma, atuam de modo contrário aos seus legítimos interesses”.
O magistrado chega a fazer duros questionamentos relacionados a atitudes tomadas pelo chefe do executivo. “Qual o sentido de se proibir a comercialização e a disponibilização de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos? Ou de se impor um dever (por decreto!) A todos estabelecimentos comerciais de isolar prateleiras, gôndolas, expositores e congêneres? Ou mais grave ainda de se criar uma multa de R$5.000,00, sem qualquer previsão legal, em caso de descumprimento? Desde quando se passou a aceitar força normativa para decretos autônomos, sem que haja uma lei que lhes confira fundamento de validade? Desde quando o chefe do poder executivo passou a ter competência para editar atos normativos que criam, extinguem e modificam direitos? Afinal, para que serve o Poder Legislativo? São, a toda evidência, providências típicas de regimes autoritários que avultam o senso comum e causam indignação em qualquer pessoa de bem”.
Para editar o decreto, Jô Silvestre destacou, de maneira generalizada, que há constatação de que o agravamento da situação epidemiológica se deu pelo não cumprimento pela população das medidas de contingenciamento já estipuladas em decretos anteriores.
“Ora, tudo indica tratar-se de uma acusação leviana, visto que a população local respeitou integralmente e de forma exemplar (e até com elevada passividade) as penosas restrições que lhe foram impostas. Os excessos, se ocorreram, deveriam ter sido coibidos pela própria autoridade coatora que agora acusa, de forma indiscriminada, toda a população”.
“É fácil para alguns privilegiados, que têm seus salários garantidos no final do mês ou que levam vida confortável, jogar a culpa da pandemia e do agravamento da situação epidemiológica nas costas de pessoas comuns que dependem do trabalho para sobreviver. Difícil, porém, é se colocar na posição dessas pessoas e compreendê-las. Ou: difícil é enfrentar um problema real com racionalidade, equilíbrio e respeito aos direitos fundamentais”.
O Juiz cita ainda que a Prefeitura menciona no decreto “(…) o aumento acentuado de casos de contaminação, internação e óbitos por Covid – 19 na Estância Turística de Avaré, com sério risco de colapso do sistema de saúde (…)”.
“Aqui cabem dois questionamento. O primeiro refere-se ao dever do Estado em garantir a saúde, um direito de todos, mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Logo, é dever do Município Estância Turística de Avaré garantir a eficiência e p bom funcionamento do sistema de saúde, sem que isso custe a liberdade plena e geral da população, sendo certo que o descumprimento do dispositivo constitucional comporta apuração pelos meios legalmente previstos. Em segundo, há de se lembrar que o sistema público de saúde sempre esteve em colapsado. Isso não é novidade para os brasileiros que vivem a realidade fora de um gabinete climatizado”, destacou o magistrado em sua decisão.
O magistrado ainda criticou a alegação da Prefeitura que o decreto teria sido solicitado ao Executivo pelo Comitê de Enfrentamento ao novo Coronavírus da Estância Turística de Avaré. “É bom ressaltar desde já que os membros deste Comitê não foram eleitos, não possuem representatividade alguma e não podem, portanto, determinar as políticas públicas a serem adotadas no Município, pois isso representaria total subversão da ordem democrática”.
DECRETO PUNITIVO – O conteúdo do Decreto Municipal nº 6334/2021, segundo o Juiz, não guarda relação com o enfrentamento da pandemia. Cuida-se de mais um ato normativo com nítido caráter punitivo contra trabalhadores da iniciativa privada”.
“O combate à pandemia se faz de forma racional, não emocional. A História apresenta vários exemplos de pandemias. A única exceção presente é a forma como se está lidando com ela, com medidas nunca antes experimentadas e que não contam com embasamento científico algum. As autoridades públicas devem (ou deveriam) focar em melhorias e ampliação do sistema de saúde (onde estão os hospitais de campanha?), na aquisição de equipamentos modernos (onde estão os insumos, os novos leitos e os respiradores?) e assim por diante, e não em restringir até o ponto de abolir direitos fundamentais que só contribuem para a falência econômica e social do País”.
Diante dos fatos, o judiciário local deferiu a liminar para suspender os efeitos do artigo 2º e parágrafos do Decreto Municipal nº 6.334/21, editado pelo Prefeito Jô Silvestre, e, consequentemente, autorizar a impetrante a comercializar bebidas alcoólicas”. (Matéria do site www.avozdovale.com.br)
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