No último dia 07, ao prestar depoimento na CPI da Covid no Senado, o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, foi preso em flagrante por falso testemunho. O presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), após a revelação de áudios que suspostamente desmentiam a versão de Dias, especialmente no ponto em que o ex-diretor afirmava que o encontro com o cabo da Polícia Militar Luís Paulo Dominguetti, em um restaurante de Brasília, teria sido acidental, determinou a prisão em flagrante nos seguintes termos:
“Em vista a condição de testemunha compromissada, as contradições acima expostas, para além das demais verificáveis ao longo das notas taquigráficas anexas, ausente qualquer retratação do depoente, nos termos do art. 4º, II, da Lei 1579/1952, c/c Art. 52, XIII, da Constituição Federal, cumulado com o art. 226 do Regimento Administrativo do Senado Federal, decreto a de prisão em flagrante de ROBERTO FERREIRA DIAS, pelo crime próprio de falso testemunho de que trata a Lei 1.579/1952, e requisito à Polícia do Senado Federal que tome as providências cabíveis para a lavratura desta ocorrência”
Para além do escárnio com a vida humana que representa a suposta venda da vacina “Covaxin” intermediada pelo cabo da PM mineira, que teve atenção não habitual do Ministério da Saúde, especialmente do ex-diretor Roberto Dias e do ex-secretário executivo Coronel Élcio Franco, alguns pontos devem ser esclarecidos em relação a situação jurídica da prisão em flagrante: é possível prender em flagrante por falso testemunho? A prisão do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias foi correta? O ex-diretor mesmo estando na condição de testemunha poderia omitir fatos para não se autoincriminar?
O flagrante traz à mente a ideia de coisas percebidas enquanto ocorrem. Na lição de Aury Lopes Junior, “Essa certeza visual da prática do crime gera a obrigação para os órgãos públicos, e a faculdade para os particulares, de evitar a continuidade da ação delitiva, podendo, para tanto, deter o autor”. E por que se permite que seja tomada essa medida tão severa de privação da liberdade? Exatamente pelo fato de a prisão em flagrante ser uma medida pré-cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h, onde cumprirá ao juiz (na audiência de custódia) analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão (agora como preventiva) ou não.
Na condição de testemunha, qualquer pessoa pode ser presa em flagrante delito quando descumprir o dever de dizer a verdade, salvo quando a resposta a determinado questionamento possa auto incriminá-la, ocasião em que pode se recusar a responder ou até mesmo apresentar a sua versão para os fatos. Portanto, ninguém está obrigado a praticar ato de prova que lhe possa prejudicar (testemunha é um meio de prova).
Dessa forma, mesmo na condição de testemunha qualquer pessoa pode se recusar a responder quando possa gerar sua autoincriminação. Eugênio Pacelli pontua com precisão que “O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, insculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio”.
Não se pode esquecer que embora Roberto Dias estivesse na condição de testemunha é investigado pela CPI, na medida em que teve seus sigilos telefônicos e telemáticos quebrados poder determinação da referida comissão. Uma questão importante, subjacente a essa condição, deve ser destacado: a comissão deveria ter informado ao depoente a condição de investigado? Sem sombra de dúvida que sim. A CPI não pode utilizar do estratagema de convocar um investigado na condição de testemunha com escopo de extrair dele informações que poderiam incriminá-lo, sob pena de determinar a sua prisão em flagrante por falso testemunho. Fazendo isso, afrontará direta e visceralmente o direito de defesa, o qual a “não autoincriminação” é um princípio caro e não pode ser sobrepujado por artimanhas jurídico-políticas.
Assim não há como fugir da abusividade, desproporcionalidade e ilegalidade da prisão do ex-diretor Roberto Dias e deve ser combatido com a máxima veemência pelo Poder Judiciário, para que não haja a banalização dessas medidas restritivas da liberdade pela presidência da CPI da Covid.
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