O discurso da inclusão e a realidade das ausências, a política ainda fala mais alto que escuta — especialmente quando o assunto é ser mulher
Nesta semana, o Brasil celebra um marco histórico: a conquista do voto feminino, oficializada em 1932. Um direito que, embora pareça natural hoje, foi resultado de décadas de luta e resistência de mulheres que ousaram desafiar o silêncio político a que estavam relegadas. Celebrar essa data é, portanto, celebrar a coragem. Mas também é tempo de reflexão: o quanto realmente avançamos desde então?
Quase um século depois, a presença das mulheres nos espaços de poder ainda é tímida — e, em muitos casos, simbólica. O exemplo mais evidente vem do Supremo Tribunal Federal. Atualmente, apenas uma mulher ocupa uma cadeira entre onze ministros. E o que causa ainda mais desconforto é perceber que essa ausência persiste em um governo que se apresentou à sociedade como símbolo de inclusão, pluralidade e reconstrução democrática. A expectativa era de que a nova composição do STF refletisse esse compromisso, valorizando a representatividade de gênero e a diversidade social. Mas a nomeação de mais um homem para a Corte expôs uma contradição: o discurso da inclusão ainda não se traduziu em prática efetiva nos espaços mais altos do poder.
Essa lacuna simbólica repercute muito além de Brasília. Ela chega, silenciosa, aos municípios, como um espelho que reflete e reforça a desigualdade na política local. Em Fartura/SP, por exemplo, temos uma vice-prefeita — um avanço digno de reconhecimento —, mas nenhuma mulher ocupa atualmente uma cadeira na Câmara de Vereadores. A ausência feminina nos espaços deliberativos continua sendo a regra, não a exceção.
E essa ausência não é apenas uma questão de representatividade: é uma questão de democracia. As mulheres são mais da metade da população e do eleitorado, mas continuam subrepresentadas nas decisões que moldam o destino coletivo. Pesquisas da ONU Mulheres e do PNUD apontam que a presença feminina em cargos de decisão tende a ampliar a atenção a políticas públicas de educação, saúde, proteção social e igualdade — temas historicamente relegados, mas essenciais à vida em comunidade.
É por isso que, nesta semana em que celebramos o voto feminino, a comemoração deve vir acompanhada de um convite à coerência. Não basta falar em igualdade — é preciso concretizá-la.
De que adianta o direito ao voto, se as escolhas feitas com ele continuam reproduzindo exclusões históricas?
Celebrar o voto feminino é lembrar que ele foi conquistado com luta — e que essa luta ainda não terminou. Enquanto as mulheres permanecerem sub-representadas, a democracia estará pela metade. E metade de uma democracia nunca será suficiente para representar um país inteiro.
Dra. Débora Garcia Duarte
Advogada. Mestre em Direito (UENP - Jacarezinho). Professora universitária e coordenadora da FIT. Autora da obra Reveng Porn: a perpetuação da violência contra a mulher na internet e o poder punitivo. Pesquisadora na área de direitos das mulheres e doutoranda pela FCA - UNESP Botucatu.