Homenagem
A família de Décio Carlos Rocha, sua esposa Marlene, e os filhos Diane, Décio, Dalmo, Delmo (Kiko), Dávia e Dênio, genros, noras, netos e bisnetos, agradece todo o apoio dos amigos e parentes que se fizeram presentes na hora da despedida, e as inúmeras mensagens recebidas tanto pelas redes sociais como por telefone, demonstrando, cada um à sua maneira, solidariedade ao momento difícil pelo qual a família estava e ainda está passando. Saibam que cada abraço ou palavra de conforto foram bem vindos naquela hora tão dolorosa para todos.
Não precisamos descrever quem foi Décio, pois todos que o conheceram sabem de suas virtudes como ser humano. Para nós ele foi o melhor marido, pai, avô e bisavô. Aquele que gostava de chegar de mansinho, por trás e dar uma “sardinha” no bumbum, ou brincar de “bater coquinho” com as crianças pequenas, de tocar gaita nas horinhas de tranquilidade, de ficar bravo quando mexíamos no armário dele, de jogar palavras cruzadas e sudoku, de fazer mágica com baralho, de ficar à toa assobiando hinos pela casa, de torcer muito quando seu time Palmeiras jogava e tirar sarro dos torcedores do time adversário, de contar muitas histórias de família ou de alguém ou algum fato engraçado ocorrido na cidade, de ouvir músicas clássicas na maior das alturas, de brincar com quebra-cabeça, de cuidar das abelhas, mel e própolis (o que fazia com prazer por ser um hobby antigo), de passar pelo comércio da cidade e sempre com um sorriso mo rosto brincar com as pessoas, de contar piadas, de ver a nossa mãe brava, de usar casacos de frio mesmo no verão, de esconder seus queijinhos e chocolates no armário, de sair apgando as luzes mesmo com alguém no cômodo e passar todas as noites conferindo se as janelas estavam com cadeados e as portas trancadas, e por aí vai, de orar sempre antes de todas as refeições e antes de dormir, de não perder os cultos dominicais, dentre outras coisas, e, por fim, de ter nos amado incondicionalmente e nos deixado um legado invejável. Ficam as lembranças para contar como foi a sua vida e resta a saudade para lembrar a falara que ele fará. Que ele esteja nos braços do Pai, lugar mais que merecido, e nós continuaremos a amá-lo para sempre. Essa foto mostra bem como ele era: sempre alegre, brincalhão e disposto.
Nos despedimos dele mas ele permanecerá em nossos corações para sempre.
Familiares de Décio Rocha
Fartura/SP
DECIO, O TERRÍVEL
Entrevista fictícia com a esposa, Marlene Calabresi Rocha.
O ano é 2040. Enquanto ajeita panelas sobre a pia, vangloriando-se de que ninguém as lustra como ela, Dona Marlene conversa com o repórter deste jornal, interessado nas estórias da mulher que, no momento, ostenta o ranking de idosa número 1 de Fartura, superando a marca de sua mãe, Maria.
Com olhar lúcido e pernas ainda ágeis (garantidas por um dispositivo mecatrônico adjunto à prótese de quadril), ela recorda sua infância pobre-mas-feliz, o trabalho infinito na Coletoria aos 14 anos, o concurso de Miss Fartura que sua irmã não ganhou por um triz suspeito...
- Foi nesse período que a senhora conheceu o Seu Decio? - indaga o repórter abusado, percebendo nela uma súbita alteração do humor. De qualquer forma, não teria sentido aquela entrevista sem o relato de episódios envolvendo o homem que lhe tomou a maior parte da vida.
- Sabe o que é, menino? - diz a idosa, sem recordar o nome do jornalista. - O Decio tinha essa mania de... posso falar um palavrão?
- A senhora tem 103 anos, conquistou o direito de dizer o que quiser.
- Pois é! - continuou ela. - O Decio tinha o dom de me deixar P da vida!
O repórter ficou curioso - e desconfiado, já que conhecia um pouco da história de vida do ilustre Decio Carlos Rocha: apicultor, gerente de banco, mágico, filantropo e devorador de churrasco.
- Veja, - começou Dona Marlene - o Decio fazia muitas coisas, então sempre tinha gente atrás dele. Era um que ligava pra saber se o Imposto de Renda tava pronto, outro perguntando do empréstimo...
- Sei! Consta que ele emprestava dinheiro pra qualquer um, não é?
- Não sei se pra qualquer um. Na verdade, se dependesse dele, eu não saberia de nenhum. Mas emprestava, sim. Só que aqui, para os filhos, ele vivia pedindo dinheiro...
- Como assim?
- Oras, pra ajudar uma creche, hospital, sei lá. Ele era triste, viu!
- Sei que é uma metáfora, mas é engraçado ouvir isso. Todos que o conheciam diziam ser simpático, brincalhão.
- Ele era danado, isso sim! Certa vez, espalhou no comércio que iria viajar pra Europa. Sabendo que minha filha estava indo pra lá, pediu a ela que mandasse cartões postais em seu nome para as recepcionistas da farmácia. E ria dessas malandragens.
- Fiquei sabendo de uma boa. Que, num dado período, ele começou a tomar uma dose de uísque em cada refeição, argumentando que era receita médica.
- É verdade. Até o dia em que fomos ao consultório juntos, e quando perguntei ao Doutor Rui sobre esse medicamento estranho, ele fez a maior cara de espanto. Rá... Pior não é isso. E quando descobri que ele guardava chocolates no armário...
- Mas não era diabético?
- Pois é!
E Dona Marlene faz aquele gesto com as mãos que lembram uma nona praguejando. O repórter muda de tom.
- Fale mais sobre a ajuda que o Seu Decio dava a instituições. Que eu saiba, a maior parte das vezes como tesoureiro, ele prestou serviço voluntário na OSAF, creche presbiteriana, Santa Casa, Clube Social, Cisne Branco...
- Vivia trabalhando de graça. Era um tonto! Só no Cisne Branco, foram décadas. Nem sei o que tanto fazia. Sei que se estourasse uma bomba de piscina, ou uma bomba de verdade, era para o Decio que ligavam. Teve uma vez que ele ficou no clube cobrando ingressos durante um baile. Acho que num reveillon, não lembro. De manhã, quando acordei, me deparei com uma bolada de dinheiro vivo no criado mudo. Fiquei branca! Depois ele me contou que trouxe o dinheiro pra casa, porque deixar no clube, àquela hora, poderia ser arriscado. Detalhe: ele veio pra casa de madrugada, a pé!
- Rá, rá, rá! Que figura!
- Que louco! Quando resolvia fazer uma coisa, não havia Cristo a lhe tirar da cabeça.
- O que, por exemplo?
Dona Marlene aponta para uma estante, na qual um senhor de aproximadamente 60 anos empilha potes alaranjados.
- Vê isso? Até hoje, o Paulo produz mel do jeito que meu marido queria. Só que mel não dá lucro. Mesmo assim, com quase 90 anos, o Decio insistia em correr sítios afora, colocando caixas de abelha. Tinha como meta chegar a 100 caixas instaladas.
- Ele não ligava pra dinheiro?
- Controlava bem o dinheiro. Mas era simplório, não ligava pra roupas ou carros do ano, essas coisas!
- Isso é verdade. Todos se lembram dele com uma Variant verde de 50 anos...
- Azul. Azul pavão, como dizia. E ainda temos a “Cacilda”, meus filhos não deixam vender.
- Já vi que vocês preservam o legado do Seu Décio: o mel, o carro, o endereço na rua Bertoni...
- Esta casa era paixão dele. Queria uma suíte pra cada filho, e acabou construindo dez banheiros. Ou são onze? Sei que, quanto mais se aproximava da morte, mais ele mexia aqui, e ai de quem discordasse!
O jornalista risca algumas palavras em seu bloquinho de papel eletrônico.
- Então, pelo que pude apurar, seu marido era louco, malandro, tonto, cabeça dura, rabujento...
- E teimoso! Até o fim. No hospital, mesmo com o rim corroído, o pulmão infectado, o coração fora de ritmo, a voz impotente, o corpo perfurado por tubos e a musculatura desvigorada por quase dois meses amarrado ao leito, queria se levantar e vir pra casa.
Olhando para o vazio, a mulher complementa:
- Mas agora ele se foi...
- Agora?! - exclama o entrevistador, julgando que o tempo talvez não fosse tão inofensivo à memória da anciã. Afinal, havia 20 anos que o marido falecera.
- Bem, - tergiversou - a senhora teve uma vida e tanto. Superou a marca dos 100 anos. Criou 6 filhos, 8 netos, 18 bisnetos e 5 tataranetos. Conheceu diversos países do mundo... enfim, o que mais quer da vida?
- O que sempre quis. Queria que ele estivesse aqui.
Por Kiko Rocha