A eleição de 2022 é importante para definir o futuro da nação nos próximos quatro anos e, também, servirá para sedimentar algumas questões sensíveis sobre campanha e propaganda eleitoral, que balizarão os próximos pleitos. Dentre as questões relevantes, podemos destacar a decisão recente proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que alterou o entendimento consolidado na Corte sobre a necessidade de ser ou não explícito o pedido de voto para configuração da propaganda eleitoral antecipada.
O caso foi julgado no último dia 20 de setembro e condenou o presidente Jair Bolsonaro por propaganda eleitoral antecipada. Segundo apontado na decisão, a prática do ilícito eleitoral teria ocorrido na Assembleia-Geral das Assembleias de Deus no Brasil, em Cuiabá, em 19 de abril deste ano. No dia do fato, o atual presidente participou de uma motociata, que culminou no evento religioso. Na ocasião, nem o então pré-candidato Jair Bolsonaro, nem o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que o apresentou aos fieis, fizeram uso de qualquer das chamadas “palavras mágicas” ao discursar no templo religioso.
No entanto, o TSE, pelo “conjunto da obra”, sinalizou que Bolsonaro e o parlamentar realizaram, antecipadamente, um verdadeiro ato de campanha, merecendo, assim, a punição prevista no artigo 36-A da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).
De acordo com informações, Bolsonaro falou no evento religioso diante de 7 mil pessoas, depois de ser acompanhado na motociata por 2,5 mil motociclistas. Ao microfone, avisou que, se for a vontade de Deus, continuará a missão de estar à frente do governo federal. Também disse ter “certeza que, tendo vocês ao nosso lado, nós atingiremos os nossos objetivos” e citou que “hoje temos uma luta do bem contra o mal”.
Importante ressaltar que, anteriormente a esta decisão, a Corte Eleitoral fixou uma interpretação bastante restritiva, no sentido de que o pedido deve ser explícito para configurar a propaganda antecipada. Ou seja, o pedido antecipado deve ser baseado no critério das “palavras mágicas”, e deve conter determinados termos como “votem”, “apoiem” ou “elejam”. A ideia é que o pedido tenha sido formulado de maneira clara e direta. Não basta o sugerido, o denotado, o pressuposto, o indireto, o latente, o sinuoso e o subentendido.
Para diferenciar a propaganda antecipada da mera pré-campanha, a jurisprudência precisou eleger critérios. Se há pedido explícito de votos ou violação da igualdade de oportunidades entre os candidatos, está configurado o ilícito eleitoral, cuja punição é multa de até R$ 25 mil.
E essa decisão do TSE ruma, então, para um novo caminho, que vai além desse rol restritivo de critérios. Ou seja, formata uma nova jurisprudência para a monitoração de propaganda antecipada.
A relatora do caso de Bolsonaro no TSE, ministra Maria Cláudia Bucchianeri considerou válida a jurisprudência até então vigente e afastou punição por propaganda antecipada. Interpretou que as falas representaram um anúncio implícito de pré-candidatura, a exaltação de qualidades pessoais do pré-candidato e um pedido de apoio político, todas condutas permitidos no período pré-campanha. Segundo a ministra, assim como é lícito às lideranças femininas e negras defenderem votos em mulheres e negros sem especificamente identifica-los, também é possível aos líderes religiosos defenderam a escolha de candidatos que comunguem dos mesmos valores.
Entretanto, o voto divergente, que indicou o placar vencedor, do ministro Ricardo Lewandowski, considerou que o contexto geral do evento, que inclui a motociata, configurou a clara antecipação de um ato de campanha pelo presidente. Acompanharam essa posição os ministros Benedito Gonçalves, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. “A questão das ‘palavras mágicas’, eu diria que temos que aposentá-las”, disse o ministro Alexandre. “No momento em que o TSE fixou que essas palavras servem para configurar campanha antecipada, todo candidato passou a andar com uma cola feita pelos seus advogados: fale tudo, menos isso. Ninguém mais diz ‘vote em mim’”, criticou.
Para a ministra Cármen Lúcia, a jurisprudência está mantida: para propaganda antecipada, é preciso haver pedido de voto explícito. Há apenas um novo direcionamento, no sentido de que é possível que um conjunto de informações apontem para a ocorrência de tal pedido.
Outro exemplo recente, citado no julgamento, foi de um outdoor de apoio ao presidente Bolsonaro, de uma cooperativa de agropecuaristas em Mato Grosso do Sul, com a mensagem “juntos com Bolsonaro”, que foi interpretada como pedido explícito de votos. “Nesse outdoor, há um pedido que nem é implícito. É uma forma indireta. ‘Juntos com Bolsonaro’. Juntos para quê? Não é para jogar bola. Não é para ir ao cinema. É para as eleições”, explicou o ministro Alexandre de Moraes, na ocasião.
Entendemos que normas restritivas, com as impõem penalidades, inclusive com risco de inelegibilidade, jamais podem ser interpretadas ampliativamente. Portanto, se o candidato não pedir voto, expressamente, não incorrerá em campanha antecipada. Melhor dizendo: não existindo as “palavras mágicas”, não há que se impor qualquer penalidade. Oxalá que o TSE reveja seu entendimento, pois do contrário estaremos no campo da subjetividade, ou seja, um passo para arbitrariedade judicial.
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