Com as comemorações oficiais do bicentenário da Independência do Brasil, esse último dia 7 de setembro pode não ser lembrado pelo dia marcante que é na história do país, mas pelo abuso de poder político e econômico incorrido pelo candidato à reeleição para à Presidência da República. O candidato Jair Bolsonaro protagonizou em Brasília, e no Rio de Janeiro, verdadeiros comícios para os seus eleitores e seguidores. E isso, inequivocamente, configura abuso de poder e ato de improbidade administrativa, uma vez que ele se utiliza de recursos públicos para realizar seus discursos eleitorais.
O glossário disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabelece que o abuso de poder político “ocorre nas situações em que o detentor do poder, vale-se de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto. Caracteriza-se dessa forma, como ato de autoridade exercido em detrimento do voto”.
A preocupação com o abuso do poder político nas eleições ganhou peso após a inclusão do instrumento da reeleição no processo eleitoral brasileiro, com a edição da Emenda Constitucional nº 16/1997. A referida emenda autorizou a reeleição para um único período subsequente, do presidente da República, dos governadores de Estado e do Distrito Federal, dos prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos.
A Constituição Federal, em seu artigo 14, prevê a proibição do abuso do poder político e econômico nas eleições ao dispor que devem ser estabelecidos, por lei complementar, os casos de inelegibilidade e seus prazos, para proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato – considerada a vida pregressa do candidato – e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Entre as hipóteses de condutas vedadas ao candidato à reeleição estão: o uso, em benefício de candidato, partido político ou coligação, de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios; o uso de materiais ou serviços, custeados pelos governos ou casas legislativas, que excedam as prerrogativas de seus regimentos; ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal; e fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter sociais custeados ou subvencionados pelo poder público, entre outras hipóteses previstas na lei.
No evento oficial de 7 de setembro, Jair Bolsonaro utilizou-se de recursos públicos (R$ 3.800.000,00, segundo a representação do PDT) para discursar como candidato, pedindo voto: “A vontade do povo se fará presente no próximo dia 2 de outubro. Vamos todos votar, vamos convencer aqueles que pensam diferente de nós, vamos convencê-los do que é melhor para o nosso Brasil” e, novamente, pondo em dúvida a lisura das urnas eletrônicas.
Além das declarações de caráter antidemocrático, o atual Presidente da República disparou comentários de cunho machista que desrespeitam e atingem diretamente a integridade da mulher brasileira. Ao comparar as primeiras-damas ao longo dos anos e incentivar homens solteiros à encontrarem uma “princesa” para se casar, Bolsonaro puxa um coro esdrúxulo e beija sua esposa Michelle Bolsonaro aos gritos de “Imbrochável, imbrochável...”
Diante de tais atitudes, torna-se necessária a investigação dos recorrentes abusos de poder econômico e político, além do uso de recursos públicos para fazer campanha. É válido ressaltar que tal campanha foi feita por meio da TV Brasil, uma emissora estatal.
O Artigo 22, da Lei 64/90, estabelece o procedimento para apuração de eventual abuso de poder político, in verbis: “Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político”.
Conforme estabelece o inciso XVI, do artigo 22 da Lei Complementar 64/90, com a redação alterada pela Lei Complementar nº 135, de 2010, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.
Assim, se julgada procedente a representação, mesmo que após as eleições, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e daqueles que contribuíram para a prática do ato de abuso autoritário, penalizando com inelegibilidade para as eleições dos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou a infração. Além disso – para o candidato que diretamente se beneficiou pela interferência do poder econômico, pelo desvio do poder de autoridade ou do mau uso dos meios de comunicação – haverá cassação de seu registro ou diploma. Determinando assim a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar.
A questão que fica é: O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá coragem para avaliar e, se necessário, penalizar severamente o candidato a reeleição, com a cassação do registro da chapa?
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