Em 25 de novembro de 2020, passageiros de um ônibus estavam a caminho do trabalho em uma empresa têxtil de Taguaí (SP) quando sofreram o acidente; 42 pessoas morreram. Motorista responde por homicídios e lesões corporais culposas.
Há dois anos, um acidente entre um ônibus e um caminhão que matou 42 trabalhadores de uma indústria têxtil deixava profundas marcas de luto em Taguaí, no interior de São Paulo. As vítimas eram de Itaí (SP), que fica a aproximadamente 40 quilômetros de distância. O caso ainda corre na Justiça e as famílias das vítimas convivem com a dor, enquanto buscam por justiça.
A colisão aconteceu no dia 25 de novembro de 2020, na Rodovia Alfredo de Oliveira Carvalho (SP-249), e foi considerado o acidente com o maior número de mortes nas rodovias de SP em 22 anos.
Em um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) celebrado em setembro de 2021, as empresas Prime Jeans, Creative Jeans e Virtual Jeans firmaram um acordo e se comprometam a indenizar em R$ 39 mil cada família das 40 vítimas, a título de danos materiais e individuais, de acordo com o vínculo empregatício de cada trabalhador.
Conforme o acordo, o montante seria pago em parcelas mensais de R$ 1,5 mil, pelo prazo de 26 meses.
Contudo, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), 15 das 40 famílias aceitaram a proposta do TAC celebrado pelas três empresas. O termo garantia, ainda, a possibilidade dos familiares recusarem o acordo e entrarem com uma ação judicial para reavaliar a indenização.
Além da indenização, as empresas se comprometeram a fiscalizar o transporte dos funcionários. Um acordo extrajudicial, firmado pela procuradora Ana Carolina Marinelli Martins, do MPT em Sorocaba (SP), prevê multa diária de R$ 500 em caso de descumprimento do acordo.
Homenagens
Nesta sexta-feira (25), feriado municipal em Itaí, familiares e amigos se reúnem para uma homenagem póstuma, em frente ao memorial das vítimas. A partir das 9h, a Igreja Matriz de Santo Antônio celebra a 2ª missa em memória às vítimas.
Lacunas
A irmã de uma das vítimas, Verônica Monteiro, fala sobre as lacunas que o tempo e o dinheiro não são capazes de preencher. "Cada dia mais difícil. Conviver com a saudade não é fácil. Ainda mais ouvir das filhas dela que querem [ver] a mãe".
Beatriz Monteiro da Silva foi uma das vítimas do acidente. Ela deixou duas filhas, de seis e quatro anos, que, segundo a irmã, ainda "choram pedindo pela mãe".
"O que mais dói, mesmo sabendo que eles se foram e não voltam mais, é a justiça, que até hoje não foi feita. Saber que não temos mais eles aqui e o monstro que causou tudo está solto. Esperamos por justiça", lamenta Verônica.
Processo criminal
Em agosto deste ano, após mais de 20 meses, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) denunciou o motorista que provocou o acidente de trânsito em Taguaí (SP), no qual 42 pessoas morreram e outras quatro ficaram feridas.
A denúncia, oferecida pelo promotor de Justiça Pedro Rafael Nogueira Guimarães e recebida pelo Judiciário no dia 17 de agosto, traz como qualificadora o fato de o acusado ter praticado o crime no exercício de sua profissão, conforme informou o MP.
O motorista responde por homicídios e lesões corporais culposas. Segundo testemunhas citadas nos autos, o réu realizava o trajeto havia cerca de oito anos e costumava tanto dirigir em alta velocidade quanto fazer ultrapassagens em pontos da rodovia que não permitem esse tipo de manobra.
Em 17 de novembro, o Fórum de Fartura (SP) realizou a audiência de instrução de julgamento, quando as partes foram ouvidas. A Justiça ainda não definiu a data do julgamento.
Defesa
Em entrevista ao g1, a defesa do motorista do ônibus que provocou o acidente afirmou que há insuficiência de provas que sustentem a condenação do réu.
"Há uma perícia, e a defesa respeita muito o trabalho dos senhores peritos, mas não concordamos com o laudo, uma vez que ele é inconclusivo. A defesa postulou diversos quesitos e o próprio perito afirmou que não havia elementos técnicos para responder", disse o advogado Hamilton Gianfratti.
A defesa sustenta, ainda, que o réu não pretendia fazer a ultrapassagem pela esquerda. "Houve elemento surpresa: uma queda abrupta de velocidade dos veículos que estavam à frente, logo após uma curva. E isso o colocou em uma situação de desespero, de ter de decidir em questões de segundos", acrescenta.
O advogado reforça, inclusive, que o veículo conduzido pelo réu encontrava-se em péssimas condições. "Ele [réu] é vítima dos fatos. Ele conduzia um veículo sem nenhuma condição de trafegabilidade, que pode, sim, ter falhado o freio e ter dado causa ao acidente".
"A defesa se solidariza com as famílias enlutadas, com as pessoas que ficaram sequelas e não se discute a gravidade do fato. Agora não podemos levar isso a uma condenação indevida e injusta no entendimento da defesa", conclui o advogado Hamilton.
Relembre o acidente
A batida entre o ônibus e o caminhão aconteceu às 6h35 do dia 25 de novembro de 2020, no quilômetro 172 da Rodovia Alfredo de Oliveira Carvalho.
Com o impacto, o caminhão bitrem, que levava uma carga de esterco, invadiu uma propriedade rural. Várias vítimas foram arremessadas do ônibus e ficaram amontoadas na pista.
Ao todo, 37 mortes foram confirmadas no local do acidente e os feridos foram encaminhados para três hospitais em Taguaí, Fartura e Taquarituba (SP).
De 15 sobreviventes socorridos após a batida, quatro morreram antes de dar entrada nos serviços de saúde. A 42ª vítima morreu no dia 29 de novembro, em um hospital de Avaré (SP).
O ônibus transportava, além do motorista que sobreviveu, 52 funcionários de uma empresa têxtil que fica em Taguaí. O veículo pegou passageiros em Itaí e Taquarituba, quando bateu a cerca de cinco quilômetros do destino final.
Já no caminhão havia dois motoristas, e o homem que dirigia o veículo morreu na batida. Ele não tinha habilitação para dirigir caminhões e, por isso, havia contratado um ajudante, que sobreviveu ao acidente.
Depois da batida, o Governo de São Paulo montou uma força-tarefa para identificar e liberar os corpos das vítimas, que foram levados para o Instituto Médico Legal (IML) de Avaré.
A força-tarefa das polícias Técnico-Científica e Civil identificou e liberou os corpos dos primeiros 41 mortos na madrugada do dia 26 de novembro, e um caminhão frigorífico precisou ser usado para armazenar os corpos à espera do exame necroscópico.
Os corpos começaram a ser velados na noite do dia 25 de novembro no ginásio de esportes de Itaí, sendo de oito em oito por vez. Já os enterros tiveram início na madrugada do dia 26 de novembro e aconteceram durante toda a manhã.
Responsabilidades
O passageiro do bitrem que sobreviveu ao acidente afirmou que o ônibus tentou ultrapassar outro caminhão e invadiu a contramão em um trecho de faixa contínua. Conforme o relato de um sobrevivente, a maioria dos passageiros estava sem cinto de segurança e dormia na hora da batida.
Já o motorista do ônibus disse, para a polícia e em entrevistas, que não tentou ultrapassar outro veículo no trecho onde era proibido e que houve uma falha no freio do ônibus. O homem alegou que, por isso, teve que jogar o ônibus para o lado para não colidir com o veículo que estava à frente.
No dia 30 de novembro, o acidente foi recriado pela perícia através de um equipamento de tecnologia 3D. A equipe foi ao local da batida com um laser escâner, que digitalizou a área.
Em fevereiro de 2021, o motorista do ônibus foi indiciado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A Polícia Civil chegou a essa conclusão depois de receber um laudo, que aponta que não houve falha nos freios.
A polícia também indiciou a dona da empresa de ônibus Star Turismo por causa das más condições do veículo e exercício irregular da profissão, já que a empresa não tem licença para o transporte de passageiros.
Os donos das três fábricas onde os passageiros trabalhavam, e para onde seguiam quando houve o acidente, também foram indiciados, porque eram responsáveis pela contratação do ônibus.
Apesar dos indiciamentos, o inquérito relatado à Justiça em fevereiro voltou ao distrito policial a pedido do Ministério Público, e a denúncia da Promotoria só foi oferecida em agosto de 2022, mais de 20 meses após o acidente.
Além do inquérito da Polícia Civil, o Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu uma investigação contra as empresas envolvidas no acidente. Quase um ano depois da batida, o órgão fechou um acordo com as três empresas envolvidas, que se comprometeram a indenizar em R$ 39 mil as famílias de 40 trabalhadores.
Informações: g1 Itapetininga e Região